Palhaço viaja 15 mil km de Fusca pelo Brasil para levar teatro e cinema a pequenas comunidades


Rafael Trevo dividiu aventura com a companheira, Lelê. Antes, ele havia pedalado por um ano de São Paulo ao Ceará. Atualmente, ele mora em uma Kombi.

Esta é uma daquelas histórias que poderiam virar roteiro de cinema. Um palhaço e sua companheira colocam tudo o que podem dentro de um Fusca 1964 e partem em uma viagem de 15 mil quilômetros Brasil a dentro. O objetivo? Exibir filmes e apresentar espetáculos de teatro em cidades do interior.

Só que este é apenas um trecho da aventura que começou em cima de uma bicicleta. Em dezembro de 2012, o artista Rafael Trevo – ou palhaço Trevolino – abdicou do conforto na casa da família, em São Paulo, para provar que poderia viver de arte. O primeiro desafio foi pedalar cerca 2.800 quilômetros até a cidade da bisavó, no interior do Ceará.

Olha Que Legal: Palhaço viajou 15 mil km de Fusca para levar teatro e cinema pelo Brasil

No meio do caminho, mais precisamente em Brasília, ele conheceu a arquiteta Letícia Marins, que viria se tornar sua companheira e parceira de trabalho. Naquela época, no entanto, ele não fazia ideia de que Lelê seria a maior incentivadora da profissão que ele acabava de adotar como estilo de vida.

O Cine Fusca

Com Letícia, Trevo criou a Cia. da Sorte – de teatro, circo e palhaçaria – e planejou a viagem dentro do Fusca que se transformou em um projeto de exibição de filmes em regiões desassistidas, o Cine Fusca.

Hoje o "possante", apelidado de Ventura, faz do Distrito Federal sua garagem oficial e deve circular pela cidade até o final do ano antes de voltar para a estrada.


Mas para entender melhor essa história de Cine Fusca, vamos voltar de novo no tempo, lá para 2012, quando Trevo saiu de casa. Com apenas R$ 150 no bolso, coragem de sobra, um pouco de sorte e a vontade de mostrar que era possível viver de arte – sozinho – ele se despediu dos pais e do irmão mais novo.

O artista lembra que montou na bicicleta que seria sua amiga inseparável por todo o ano seguinte, e partiu. Era 31 de dezembro. "Além do teatro, eu descobri que tinha a função de levar coragem para as pessoas também", disse ele ao G1.

"Quando você vai atrás do seu sonho, incentiva o outro a fazer a mesma coisa."

De São Paulo a Brasília

Os 470 quilômetros que Trevo percorreu de São Paulo até Brasília em cima da bicicleta têm seu valor na trajetória artística do palhaço, mas a história que ele escreve até hoje só começou mesmo na capital federal. No gramado da Funarte, em 2013, ele conheceu Letícia.

"Me chamaram pra participar do Circo Inventado e ela foi assistir. Eu tava vestido de mago e, depois do espetáculo, encontrei ela sozinha e perguntei qual número tinha gostado mais. Ela respondeu que tinha sido o mago e, aos poucos, foi reconhecendo que era eu."

"Depois, minha maior crise foi ter que ir embora."

Na queda de braço mental entre ficar ou seguir viagem, o plano original venceu. O artista seguiu viagem e os amores foram passageiros na garupa daquela bike, que só tinha espaço para Trevo e uma mochila.

Pandeiro e poesia no sinal

Cerca de quatro meses depois e 2 mil quilômetros pedalados, no entanto, uma ligação de Lelê abriu um novo caminho na história.

"Quando cheguei em João Pessoa, ela me ligou, perguntou onde eu tava e disse que ia me encontrar. Aí eu respondi: já que você vem, traz um pandeiro e uma poesia decorada", recorda o artista.

"A arquiteta saiu de Brasília pra ir trabalhar no sinal."

Em dez dias de visita, Lelê e Trevo fizeram palhaçadas, intervenções urbanas, malabarismos, recitaram poesias, passaram por semáforos, calçadas, bares e esquinas. "Ai ela voltou pra Brasília e a gente decidiu que iria viajar juntos no ano seguinte."



No Ceará, o encontro com a bisavó

Trevo seguiu viagem e no dia 15 de novembro de 2013 e chegou ao destino traçado inicialmente: Itapipoca, no interior do Ceará, cidade da bisavó. "Ela foi ver minha apresentação na praça. Foi a realização do meu sonho", diz o artista.

"Ela dizia: meu filho, parabéns, você é um ótimo artista."

"Um ano pareceu dez pelo tanto de gente que conheci, coisas que vivi", disse ao G1. "A bike e o Fusca abrem muitas portas, porque você fugir do tradicional é muito louco. Na verdade, as pessoas querem isso, só não têm coragem."

"Ali eu vi o melhor do ser humano, gente que me deu uma cama pra dormir, que dividiu o pouco de comida que tinha comigo. Um desconhecido que me colocou dentro da casa dele, ofereceu banho, rango."

Missão cumprida, o palhaço – agora graduado pela estrada – voltou para a casa da família de avião. Desmontou a bicicleta e começou a planejar a próxima aventura. E é neste ponto que o Fusca entra em cena.

Cinema, teatro e casa

Comprado com as economias de um ano de trabalho, R$ 5 mil, o Fusca estava parado na garagem da família de Trevo desde os 19 anos. Ao lado de Lelê, o artista fez um financiamento coletivo na internet e conseguiu arrecadar R$ 7 mil.

O dinheiro foi suficiente para financiar o sonho: caixa de som, estrutura e cortinas de teatro, barraca de dormir, projetor, telão, logo e adesivos da companhia que começaria as atividades em breve. O caminho a percorrer seria o mesmo.


"Fazer o mesmo trajeto revendo os amigos que eu tinha feito. A galera que tinha me visto de bike, me veria com um Fusca e uma patroa", contou com ar de graça.

"Saímos com o Fusquinha abarrotado de coisas no dia 25 de fevereiro de 2014."

O plano era fazer a viagem em 4 meses, mas durou o ano inteiro. "Na primeira cidade, em Piraçununga, eu me apresentei sozinho. Logo na segunda cidade, a Lelê entrou em cena e foi um marco. Dali pra frente nosso espetáculo virou uma obra de arte."

"Foram 15 mil quilômetros, 13 estados e mais ou menos 80 cidades."

De um lado do Fusca, cortinas vermelhas de teatro. Do outro, um telão branco para exibição de filmes. Assim, com toda a parafernalha no banco de trás e em cima do carro, o casal percorreu estradas dos recôncavos brasileiros e visitou pequenas comunidades.


No interior do Brasil, Trevo e Lelê procuravam por alguém que trabalhasse com cultura para autorizar os espetáculos. Podia ser o prefeito, um secretário, a professora da escola ou a única que dava aulas de balé na região.

"Sempre ia na rádio pra conseguir divulgação. Nas cidades pequenas você é a atração e a acolhida é muito mais calorosa."


À base de trocas

Durante um ano, Trevo e Lelê viveram com a ajuda de moradores para tomar banho, comer e esticar as pernas de vez em quando.

"Essa viagem me transformou como ser humano. Eu tive que viver um ano com o que cabia na bike e depois em um Fusca. Então, minha forma de consumir mudou", diz ele.


Hoje, Trevo vive dentro de uma Kombi estacionada no terreno da chácara de uma amiga no Lago Oeste, em Brasília. Ao lado, debaixo de uma tenda, fica estacionado o Fusca Ventura. Os gastos mensais? Não passam de R$ 1 mil, segundo ele.

"Melhor do que ganhar dinheiro para bancar os custos é não ter custos."

O artista diz que vive na Kombi e gosta disso. "É meu estilo de vida. Eu troco isso por cuidar da chácara e não envolve dinheiro, o que obriga uma relação humana – o que eu acho muito mais interessante."

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FONTE: G1 



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